SALA DE LEITURA DA EAT

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Vê-se CS Lewis no Quadro Central, ladeado por seus livros, o Busto de MacDonald à direita e a "Vela do Saber" acesa.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Sexta-feira da Paixão: O Dia das trevas eternas


Foi num tempo muito longe, lá onde nossa vista se perde de nós mesmos, e não sabemos dizer o que conseguimos ver. Foi num tempo indeterminado em qualquer calendário cósmico, e muito antigo para a idade de qualquer universo. Entrou em vigor no meio de um denso nevoeiro cinzento, que subiu do nada após uma intensa batalha de argumentos, ao fim dos quais não havia solução alguma, como não há entre um casal de estrangeiros onde a mulher quer viver em sua pátria e o homem idem, e ninguém abre mão de sua terra natal: separação à vista, separação consumada. Mesmo os celestiais prazeres que curtiam, e a perfeita saúde decorrente, não foram argumentos para impedir o abismo. O adeus chegou, sem dizer adeus. Foi na semana de sete bilhões de anos antes da semana de milhões, numa sexta-feira instantânea e eterna, que aquele impasse marcou para sempre a lembrança indelével da dor. E todas as sextas-feiras sofreram juntas, mesmo quando coincidiam com o Natal. Até que chegou o menor tempo do calendário, aquele da Era da Igreja, onde dois mil anos corriam como dois segundos. E cada sexta-feira chamada “santa” não passava do dia seguinte à pior quinta-feira de toda a criação, onde toda a Luz do universo sentia e ressentia uma pequena mancha solar insistente, quando o lado esquerdo do Sol jorra água e sangue. Era a única hora doentia onde alguém ri no meio da dor, como se repetisse a sandice de pedir “atira-te daí para baixo porque teus anjos te sustentarão!”. E aquele único segundo era sentido como se durasse uma eternidade, e somente o coração misericordioso o aceitava com piedade, embora esta ali não gerasse fruto algum. E todas as trevas de fumo e sombra se abateram no lugar, e o Grande Rei abaixou a cabeça e se dirigiu à Mesa de Pedra. Foram horas terríveis. Cusparadas em seu rosto enorme. Murros em seu queixo e um desmaio suspenso. Bofetadas de blasfêmia. Chicotadas de rasgar pele e couro, além das cinquenta legais. Espadas O espetavam. Facas o dilaceravam. Gritos de festa foram ouvidos, antes da sentença coletiva da crucificação. Estava morto o Leão de Judá, e a sexta-feira então durou três dias! Três dias mal contados de crueldades bem contadas. Densas trevas dominavam tudo, sem sinal de dissipação. A paz dos maus parecia vitoriosa e prestes a ganhar “o mundo sem rei”. Mas então, ouviu-se um grande estalo: a Mesa de Pedra se partiu. Naquela mesa o pano “desinchou” e sentou-se sobre a pedra fria do túmulo vazio. O tiro saiu pela culatra: o pano guardava em si a prova mais eloquente de quem foi sepultado nele, e do quanto Ele foi golpeado. E as meninas-mulheres chegaram: “por que procurais entre os mortos quem de lá retornou?... Não toqueis nele agora, para que não interrompais tua própria ressurreição, que vem se processando há milhões de anos! A sexta-feira triste passou: vão contar aos seus irmãos que o Rei está vivo e trouxe consigo ouro, incenso e mirra de Nárnia, pois foi preparar-vos lugar! Ora, ora, correi! Correi assim! Correi felizes: deixem o domingo escancarar o Céu!”...

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